Confins omite contexto de estudo do MIT quando diz que BH não pode ter dois aeroportos

A concessionária de Confins se vale de um único estudo americano, de onde só tira a informação que convém, para tentar dar um fundamento técnico a seu monopólio. Porém se usa desse fundamento de forma falaciosa.


O Estudo abordado em todos os pronunciamentos da concessionária de Confins, ao dizer que BH "não tem demanda para dois aeroportos", trata-se do “PLANNING MULTI-ARPORT SYSTEMS IN METROPOLITAN REGIONS - IN THE 1990”, de autoria de Richard de Neufville, do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Estudamos cuidadosamente este material buscando entender melhor o contexto do estudo e sua aplicabilidade no caso de Belo Horizonte, com os aeroportos da Pampulha e Confins. Ao final, ficou claro que tal estudo não se encaixa na situação posta na capital mineira. Aliás, se levado ao pé da letra, o estudo é muito mais favorável ao aeroporto da Pampulha que Confins.

Vale ressaltar que a apresentação desse estudo do MIT, relativo à demanda para mais de um aeroporto em dada região metropolitana, não é resposta para o problema existente no caso de Belo Horizonte: Neste nosso movimento, o que nós pomos em questão não é a demanda para 2 aeroportos em BH, mas sim que Confins é longe demais para ser o único aeroporto da cidade. A questão aqui é pois a necessidade de um aeroporto que seja mais próximo e acessível à população, para redução de custos com transporte, além de economia de tempo no deslocamento até o aeroporto.


Na sequência destacamos os principais pontos levantados no referido estudo do MIT que não são levados em consideração nas declarações da concessionária de Confins.

VEJA AQUI O ESTUDO NA ÍNTEGRA


1º O verdadeiro contexto de 'aeroporto primário'


O ponto básico de partida consiste na definição precisa do que são os conceitos de “aeroporto primário / primary airport”  e “aeroporto secundário /  second airport”, no âmbito da abordagem feita pelo autor do estudo. No texto original, em inglês, o autor usa recorrentemente a palavra 'primary', que pode ser traduzida no sentido de primário ou primeiro, mas que também pode se traduzir no sentido de principal. Assim, torna-se fundamental a contextualização da aplicação desta palavra em inglês para compreensão do que o texto realmente quer dizer.

O corre que, ao longo de todo o texto, o autor só faz menção ao termo “aeroporto primário” no contexto de “o primeiro aeroporto”, “aeroporto mais antigo”, “aeroporto rodeado por comunidades estabelecidas”, como o caso o Aeroporto da Pampulha; já quanto a aeroporto secundário, o autor faz relação com “aeroporto mais novo”, “segundo aeroporto construído”, “aeroporto menos ocupado”, "aeroporto de maior capacidade", “aeroporto mais amplo”, características do aeroporto de Confins. Então, embora Confins atualmente seja de fato aeroporto principal, este aeroporto seria o aeroporto secundário, no âmbito do que é dito pelo autor; enquanto Pampulha, sim, seria o aeroporto primário.

Neste sentido é que o estudo de Neufville (2000) propõe, primeiramente, o desenvolvimento do aeroporto mais antigo existente até o esgotamento de todo o potencial de expansão deste, para só depois disto se investir de fato na construção de um segundo aeroporto. Veja bem, o que é posto em questão no estudo do MIT é quando se construir um segundo aeroporto, mas no caso de Pampulha temos um aeroporto já construído, que aliás existe desde muito antes de Confins.


2º Mitigação de impactos no aeroporto mais antigo

De acordo com o estudo de Neufville (2000), os primeiros aeroportos ou aeroportos primários (mais antigos) são, em geral, congestionados e lotados além de estarem cercados por áreas urbanas. Contudo, o autor pontua que estas questões são contornáveis ou administráveis, mostrando que o caminho é mitigar os impactos e aproveitar ao máximo a infraestrutura mais antiga:

a. Congestionamento

O estudo de Neufville (2000) aponta soluções para mitigação do congestionamento no aeroporto mais antigo (primeiro aeroporto) como cobrança de preços mais altos nos períodos de pico ou mesmo o racionamento do número de voos nos horários mais congestionados. Além disso, o estudo sugere o aumento da capacidade no primeiro aeroporto como solução ‘evidente’:
In the short run, some of the effects of traffic congestion and environmental problems can be mitigated by active management.[...] For example, charging higher prices at peak periods reorients some traffic to different times or other airports, thus reducing the maximum levels of congestion. Alternatively, rationing the number of operations during peak periods by rule or regulation can have a similar effect. (de Neufville, 2000, p. 6). [...] Additional airport capacity is however the evident, and often the ultimately inevitable, solution to the problems of airport congestion. (de Neufville, 2000, p. 7).

b. Ruído

Reconhecendo que os aeroportos primários (mais antigos) estão hoje em áreas residenciais, o estudo indica medidas para mitigar impactos com ruído associado às operações no aeroporto, como utilizando aeronaves mais modernas que emitem menos ruído:
these older airports, established over a generation ago, are each now surrounded by established communities which are adversely affected by the traffic, noise and dirt associated with the airport. (de Neufville, 2000, p. 6) [...] Sophisticated landing and takeoff patterns are used at a number of major airports in the United States to minimize noise effects. [...] Aircraft noise can be reduced by retrofitting older aircraft with quieter engines and, eventually, by replacing the older, noisier aircraft (de Neufville, 2000, p. 7)

c. Capacidade

Como solução para a superlotação nos aeroportos primários (mais antigos), o estudo sugere o aumento na capacidade do primeiro aeroporto então existente, antes de se construir um novo aeroporto (secundário):
This report develops policy guidelines for the development of additional airport capacity at major congested airports, with particular reference to the issue of when this capacity should be placed at the existing major airport or,alternatively, at a second airport. (de Neufville, 2000, p. 9). [...] When additional airport capacity is required in a region, it is most reasonable to site the immediate addition at the primary airport when it serves as a major hub for some airlines. (de Neufville, 2000, p. 12).

3º Priorização do uso do aeroporto mais antigo

O estudo de Neufville (2000), já introduz o assunto remetendo o objetivo de desenvolver o primeiro aeroporto (como Pampulha), esgotando-se todo seu espaço para ampliação, antes de se construir um segundo aeroporto (como Confins):
Airport authorities should: develop the primary airport, which is naturally the most desirable focus of air transport for both the passengers and the airlines, along its natural trends until the traffic there reaches the point where the value of extra frequency of service is so little, and the cost of congestion so large, that the customers naturally gravitate to the alternative, second airport. The major policy conclusion that thus results from the analysis of multi-airport systems is that: "The development of second airports to serve a metropolitan region must, to be effective, be part of a long-term strategy of dealing with the uncertainties of future aviation traffic, especially as regards hubbing operations. Because of these risks, the most reasonable strategy may be to expand at primary hub airports while simultaneously establishing the option of developing secondary airports to serve some of the traffic originating from the region" (de Neufville, 2000, p. 51)
No caso de Belo Horizonte, foi feito exatamente o contrario: Em vez de se desenvolver o aeroporto primário (Pampulha), na década de 80, o governo decidiu construir um segundo aeroporto (Confins), e já na primeira década de 2000, passou a inutilizar o primeiro aeroporto (Pampulha).

4º Decisões políticas e perspectiva dos usuários

O estudo é claro ao mostrar que os planos criados com enfoque político conflitam com a política orientada para o usuário, apontado para que o funcionamento do sistema aeroportuário deve ter em vista a perspectiva do usuário:
Note that this user-oriented criterion for inclusion in a multi-airport system conflicts with established ideas and political pride (de Neufville, 2000, p. 17). For analyzing the operation of the system, however, one must take the perspective of the users, for whom these territorial jealousies are of no importance (de Neufville, 2000, p. 18).
Porém, no caso da exclusividade existente hoje para o aeroporto de Confins, o usuário não foi considerado quando decidiu-se pela transferência de todos os voos da Pampulha para o aeroporto internacional; E até hoje o usuário não é consultado de forma alguma quando das decisões relativas a proibições de voos relevantes na Pampulha.

5º Acessibilidade

Importante observar que o critério usado pelo autor para definir as cidades onde havia algum sistema multi-aeroporto foi pautado essencialmente pelo fator acessibilidade, isto é, em que nível o aeroporto secundário (mais distante) estaria inserido no contexto do tráfego urbano da região metropolitana:
Where does one draw the line, if one cannot rely on the traditional category of ownership to establish membership in a common multi-airport system? [...] The most important criteria would seem to refer to the accessibility of the airports and thus to their potential for participating effectively in the traffic of the metropolitan region (de Neufville, 2000, p. 16). [...] For generality, this report includes all commercial airports that meet the accessibility criterion in the definition of the multi-airport system of a metropolitan region, even if their traffic is low (de Neufville, 2000, p. 19).
Nota-se que embora Belo Horizonte já possuísse, à época do estudo, dois aeroportos (Pampulha e Confins), a cidade não passou no critério de Neufville (2000) e não foi incluída nas tabelas 1 e 2 (de Neufville, 2000, p. 23-25). Já que o relatório “inclui todos os aeroportos comerciais que atendem ao critério de acessibilidade na definição do sistema multi-aeroporto de uma região metropolitana, mesmo que seu tráfego seja baixo”, talvez o quesito acessibilidade de Confins tenha feito com que esse não fosse considerado parte de um sistema multi-aeroportos.

6º Divisão da demanda

Em relação ao temor de perda de demanda de Confins para a Pampulha, o estudo aponta dois pontos que são mais favoráveis ao crescimento Confins do que Pampulha, mostrando que trata-se de um processo natural, sem necessitar de interferência política:
(1) Customers flock to where the service is best; Providers install themselves preferentially where there are the most customers. Competition reinforces the tendency of traffic to concentrate. Providers recognize that customers will go preferentially to the site with the widest, the best array of services, and thus strive to match the level of services provided by their competitors. (de Neufville, 2000, p. 32).
(2) Congestion at the primary site is a principal factor counteracting the tendency toward concentration. It intrinsically increases delays and thus the costs of doing business: people and machines are forced to wait unproductively. Customers and businesses naturally try to avoid these aggravations and are impelled to consider less busy -that is, secondary - sites. (de Neufville, 2000, p. 33).
(1) já que Confins hoje é muito maior, tem muito mais condições de oferecer um serviço melhor, onde, segundo o estudo de Neufville (2000), os prestadores de serviços “reconhecem que os clientes irão preferencialmente para o aeroporto mais amplo e com a melhor variedade de serviços”; (2) por outro lado, Pampulha, com limitada infraestrutura, a suscetibilidade de congestionamento “é um fator principal que neutraliza a tendência para a concentração” “onde os clientes e as empresas naturalmente tentam evitar agravamentos e são levados a considerar aeroportos menos ocupados como Confins”. Segundo esta lógica apresentada no estudo, a abertura do aeroporto da Pampulha a voos nacionais, dentro de sua capacidade atual, não implicaria perdas substanciais para Confins.

7º Centro de conexões (hub)

O estudo traz a idéia de que o uso de um aeroporto como centro de conexões de voos (hub) é um negócio está mais nas mãos das companhias aéreas do que de qualquer política de governo. Isto é, a decisão de tornar um aeroporto um hub é uma estratégia de negócio da empresa aérea:
The degree of hubbing can change relatively quickly in a deregulated environment, simply as a result of airline decisions (de Neufville, 2000, p. 35).
Confirmando esta premissa, tem-se o exemplo da companhia aérea brasileira AZUL, que escolheu o aeroporto da cidade de Campinas, no interior de São Paulo, para estabelecer deu principal centro de conexões de voos (hub), a despeito da distância deste aeroporto à capital paulista. A companhia tomou esta atitude como estratégia de negócio para não competir diretamente com as grandes companhias então já estabelecidas nos principais aeroportos da cidade de São Paulo.

Por outro lado, reforçando a tese de que Confins não teria perdas significativas para Pampulha, uma vez que Confins já concentra o hub de pelo menos uma companhia, o estudo de Neufville (2000) diz que “é improvável que esse tráfego do hub seja dividido em um aeroporto alternativo”:
For cities in which the primary airport is a major transfer hub for an airline, such as Minneapolis/St.Paul (Northwest) or St.Louis (TWA), it is unlikely that of this hub traffic will be split away to an alternative airport (de Neufville, 2000, p. 37).

8º Limitações das interferências do governo

Segundo o estudo, as tentativas dos governos de forçar os usuários a se deslocar para aeroportos menos convenientes ou menos desejáveis têm fracassado repetidamente, mesmo quando os governos têm os poderes mais extensos:
Attempts by governments to force significant amounts of traffic to move to less convenient or less desirable second airports have repeatedly failed, wherever airlines and passengers have been free to exercise their choice. It has always been possible to have some operators to displace their traffic, but attempts to force major traffic segments to move to a second airport have not succeeded when the primary airport could have met their needs (de Neufville, 2000, p. 39). Even when governments have the most extensive powers, they are unable to counteract the market's natural tendency toward concentration at the primary airport (de Neufville, 2000, p. 41).

9º Fechar o aeroporto mais antigo não é alternativa

Outra importante constatação do estudo, baseado em dados levantados de aeroportos aeroportos em todo o mundo, foi que “o desenvolvimento bem sucedido de um segundo grande aeroporto não significa que o primeiro aeroporto seja fechado, ou mesmo que tenha perda de tráfego”:
It is important to note that the successful development of a second major airport does not mean that the primary airport closes down, or even that it loses traffic.(de Neufville, 2000, p. 39).

10º Imprevisibilidade da demanda

O autor de Neufville (2000) é taxativo ao dizer que no planejamento aeroportuário “a previsão ‘sempre’ está errada”:
The essential fact to remember in airport planning is that: "the forecast is 'always' wrong". Despite the very best efforts over many years, neither transportation planners nor economists have been able to predict future levels and types of traffic accurately. (de Neufville, 2000, p. 46). Forecasting errors, that is, differences between the forecast and the actual traffic that occurs. of plus or minus 20% or more after only 5 years are common. [...] When planning for major new facilities that will be in service 10 or more years hence, forecast errors of plus or minus 50% are routine (de Neufville, 2000, p. 46).
Considerando a experiência do autor, que diz ser normal erros de 20% nas previsões de 5 anos e 50% para as previsões de dez anos ou mais, parece natural a possibilidade da não efetivação da demanda projetada de Confins para os longos 30 anos de concessão do aeroporto internacional, com ou sem Pampulha.

11º Exemplo do Aeroporto Internacional de Sydney

O estudo em diversos trechos faz menção ao caso de Sydney, na Austrália. Segundo de Neufville (2000), o governo federal australiano decidiu investir no primeiro aeroporto (Aeroporto Internacional de Sydney), a apenas 8 km do centro de Sydney, e só comprou um grande terreno para o caso de a cidade demandar futuramente um aeroporto secundário:
This is the approach successfully taken for the development of the multi-airport system for Sydney, Australia (See de Neufville, 1991). In that case, the Federal Government recognized both the desirability of developing more airport capacity where it would do the most good immediately (at the existing primary airport of Sydney/Kingsford Smith) and to provide for future capacity for the region, when and if it would needed, by reserving a sufficient site for at major second airport (at Badgery's Creek) (de Neufville, 2000, p. 48).
Fato é que até então, Sydney possui apenas o primeiro e antigo aeroporto funcionando. Desde os anos 90 o aeroporto passou por ampliações, ganhou uma terceira pista e ainda hoje é o aeroporto mais movimentado de toda Austrália, a poucos quilômetros do centro da cidade.

12º Prematuridade do desenvolvimento de Confins

Seguindo a lógica apresentada pelo autor de Neufville (2000), o grande investimento feito no aeroporto de Confins, não só agora, mas também na sua construção, teria sido muito prematuro, para um ‘aeroporto secundário’:
The prospect of low and uncertain levels of traffic at a second airport is not a good basis for large investment in this facility. However important this site may eventually be, only minimum investments can be justified in the development of the site at the beginning (de Neufville, 2000, p. 12).
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