Por que transporte sobre trilhos até Confins não sai do papel? A enorme distância não-urbana inviabiliza!



Muitas vezes são levantadas questões como: "por que outras capitais já colocaram transporte sobre trilhos até o aeroporto e BH não?" ou ainda "por que não se investir em transportes sobre trilhos para Confins, em vez de reativar a Pampulha?" A resposta é simples: viabilidade!

Neste artigo vamos analisar esta questão, com base no "Estudo Estratégico de Transporte sobre Trilhos no Vetor Norte da RMBH (Centro - AITN)" entregue Governo de Minas em de maço de 2011. Faremos também um paralelo com as outras capitais brasileiras que recentemente criaram ligações sobre trilhos aos seus aeroportos, e porque em BH não o projeto não sai do papel.

Síntese do estudo

  • O estudo foi contratado pelo Governo de Minas em janeiro de 2010, com colaboração e financiamento do Governo da Espanha;
  • O robusto estudo, de 500 páginas, foi desenvolvido pelo consórcio espanhol Iberinsa-Spim, com colaboração da empresa mineira Tectran;
  • Por meio de uma analise multicriterial, o estudo indicou o VLT como melhor alternativa que o Monotrilho;
  • Também por analise multicriterial foi indicado o melhor traçado: Rodoviária - Catalão - UFMG - Av Portugal - Vilarinho - Vespasiano - Aeroporto de Confins;
  • O itinerário proposto atenderia um caminho alternativo que não fosse competir com o sistema de metro, nem com o sistema BRT Move;
  • Considerou um horizonte de tempo de longo prazo, entre os anos 2010 até 2046, com início das operações para 2015;
  • Além do crescimento do movimento no aeroporto de Confins, o estudo considerou também o crescimento do Vetor Norte até o ano 2046.

Trecho urbano, trecho interurbano e Expresso Aeroporto

O traçado entre o Confins e o centro de BH foi dividido em "dois trechos bem diferenciados". O trecho entre a Rodoviária e Belo Horizonte e a Cidade Administrativa de Minas Gerais foi denominado pelo estudo como "trecho urbano"; Já o trecho a partir da Cidade Administrativa até o Aeroporto de Confins foi denominado "trecho interurbano, com características bem diferentes, conforme as duas primeiras colunas do quadro abaixo:


Note que o trecho interurbano, responsável pela maior parte dos custos de construção, atenderia a menor parte dos passageiros (entre 10% e 16,6% dos passageiros). Isto já considerando um horizonte de tempo até 2046 que contemplou, no estudo, o aumento da demanda de viajantes no aeroporto de Confins e também o crescimento do Vetor Norte de BH.

Decorrente do contraste entre os dois trechos, o estudo definiu dois tipos de serviços: o "serviço urbano", apenas no trecho urbano entre a Rodoviária de BH e o a Cidade Administrativa, contemplando todas as paradas, em 37 minutos; e o serviço "expresso aeroporto", com apenas três paradas entre a rodoviária e o aeroporto de Confins, em 45 minutos, conforme representado em escala no diagrama:


Detalhamento da demanda

Antes de falar da projeção de demanda apresentada no estudo, é importante estabelecer uma noção da atual demanda de passageiros no transporte feito por ônibus de Belo Horizonte e Região Metropolitana até o aeroporto de Confins.

Demanda pelo serviço do ônibus Conexão Aeroporto em 2017
Fonte: Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas, via Portal de Acesso à Informação.

Conforme informações da Secretaria de Estado de Transportes, apresentadas acima, o total de passageiros que usaram os serviços dos ônibus do Conexão Aeroporto em toda Região Metropolitana de Belo Horizonte (736 mil) equivale a bem menos de 10% de todos o movimento de passageiros no aeroporto de Confins em 2017 (10 milhões). Isto é, o transporte público, ainda que ofereça o serviço executivo, só é usado por uma pequena minoria dos passageiros do aeroporto de Confins.

Considerando a demanda atual de 2 mil passageiros diários no Conexão Aeroporto (2017), pode-se dizer que a projeção de demanda do estudo do VLT está superestimada, já que para 2017 o estudo projetou uma demanda de 3,7 mil passageiros, conforme demonstrado abaixo.  A questão é como convencer os passageiros que acessam o aeroporto a migrarem para o transporte coletivo (VLT). Se é que isto é possível, considerando o perfil de um passageiro de aeroporto.



Conforme ilustrado no mapa e detalhado no quado da tabela da página 264 do estudo, a grande maioria dos passageiros só usaria o VLT entre o Centro de BH e a Cidade Administrativa, enquanto uma pequena minoria usaria o transporte para acessar o aeroporto. Isso torna evidente que o trecho interurbano (cid. Administrativa-Confins) é o que encarece o projeto.

Assim, considerando a diminuta demanda, mesmo a longo prazo, nos quase 23 km de trecho interurbano,  tem-se como inviável um VLT a partir da Cidade Administrativa até o aeroporto de Confins, como será demonstrado em seguida .

Custos e viabilidade financeira

Para se ter ideia da magnitude deste investimento vamos comparar com o custo de outros investimentos:

*Valor do projeto de reforma e ampliação da Pampulha de 2003 [R$ 140 Milhões], corrigido pelo índice IGP-M ao preço de hoje. Este valor atualizado ao preço de hoje é similar ao que foi investido na ampliação do aeroporto de Curitiba, recentemente: R$ 0,35 Bilhão.

Observe que o custo de implantação do VLT é mais de 10 vezes maior que uma grande reforma no aeroporto da Pampulha, sem contar que a operação do VLT é altamente deficitária conforme balanço do fluxo de caixa do investimento.

Conforme o fluxo na tabela ao abaixo demonstra, as receitas geradas pelo pagamento das passagens não pagaria sequer os gastos com operação e manutenção, muito menos daria retorno aos investimentos na construção e compra de veículos, no caso de um investimento privado.
Quanto a relação entre gastos e receitas, o estudo conclui que “as receitas provenientes da demanda, dada sua evolução e seu reduzido valor inicial, não permitem cobrir os gastos de operação e requer um subsídio complementar inclusive para tornar a operação viável (...).” (Estudo do VLT, pág. 195)

A viabilização da obra e da exploração consistiria em pesados subsídios do poder público tanto na implantação como na operação. Veja abaixo o gráfico que ilustra a proporção de subsídios públicos à implantação e operação do sistema:


Subsídio de Capital: Nos primeiros 5 anos de obras seria aplicado o subsídio de capital entre 80% e 90% do custo total da obra (cerca de R$ 3 bilhões de investimento público, em que o restante seria completado com financiamento privado).

Subsídio de Operação (Pagamento por disponibilidade): até o final do ano 2046 o poder público deveria subsidiar o equivalente ao dobro da receita de passageiros, de modo a cobrir os custos.

Receita de Passageiros:  Receita obtida do pagamento de passagens, equivalente à apenas 1/3 da receita total necessária para cobrir os custos e remunerar a empresa operadora do serviço.


Transporte sobre trilhos até o aeroporto no Rio, SP e Salvador


O VLT do Rio de Janeiro ao Aeroporto S. Dumont
A linha 2 do VLT ligando a Rodoviária do Rio ao Aeroporto Santos Dumont, atendendodiversos pontos de interesse na área central da cidade, como: Cidade do Samba, Museu do Amanhã, Praça XV, Terminal das Barcas, Av. Rio Branco, Cinelândia, Estação Central do Brasil (trens), estações de metrô. Todo esse sistema de projetado têm ao todo 28 km, sendo que a linha 2 possui 12 km, ou seja, a linha possui apenas 1/3 de toda a extensão do VLT BH-Confins, e ainda com um índice de passageiros por quilômetro muito maior.

O Metro de Salvador ao Aeroporto Internacional
A linha 2 do Metrô deve ser entregue no segundo semestre de 2017. A linha liga a linha 1 ao aeroporto da capital baiana, com visas a atender Lauro de Freitas, a terceira maior cidade da região metropolitana. Tal qual o VLT do Rio, a linha 2 do metro de Salvador atende a diversos pontos de interesse, dentre os quais: Shopping Bela vista, Rodoviária de Salvador, Shopping da Bahia, Salvador Shopping, Shopping Paralela, Faculdade de Tecnologia e Ciências, Parque de Exposições, Salvador Norte Shopping, Centro Universitário Jorge Amado, além do centro financeiro de Salvador, da Av. Tancredo Neves.

A linha 2 do metro de Salvador tem a extensão da metade de toda a linha do VLT BH-Confins, que tem estimativa de movimento entre e 3 e 4 vezes menor que a linha 2 de Salvador. O governo baiano está configurando todo o sistema de ônibus para integrações à linha de metrô. Cabe ainda destacar o fato de que além do aeroporto de Salvador ficam a segunda e terceira cidades mais populosas daquela região metropolitana - Lauro de Freitas e Camaçari - que somam forte demanda para a linha 2 do metrô baiano.

Trem de São Paulo ao Aeroporto de Guarulhos
O Trem que liga o aeroporto de Guarulhos à linha 12, dos trens da CTMP, tem previsão de entrega para o primeiro semestre de 2018. O trecho da linha é curto, com apenas 9,6 km de extensão, e atenderá não só aos passageiros do aeroporto, como também ao segundo município mais populoso do estado de São Paulo, Guarulhos, com uma estação no “Parque Cecap”, onde ficam terminal rodoviário de Guarulhos e um hospital. O trem de Guarulhos possui uma extensão menor que 1/3 do comprimento do VLT BH-Confins, cuja estimativa inicial de passageiros é apenas a metade da de São Paulo.

Comparação dos projetos das outras cidades com o projeto de BH


O quadro evidencia quanto a distância de Confins inviabiliza o projeto de acesso sobre trilhos ao aeroporto, em relação aos projetos do Rio, Salvador e São Paulo. A longa distância até o aeroporto faz com que a relação de passageiros transportado por quilômetro caia drasticamente, o que significa custo por passageiro muito maior em BH, que nas outras cidades.

Além disso, nas outras capitais, a proximidade entre diversos pontos de interesse garante o intercâmbio (embarque/desembarque) de passageiros ao longo de todo o trajeto, o que agrega maior número de passageiros para o sistema, mesmo que o trecho seja curto. Diferente disto, no caso de Belo Horizonte os pontos de interesse se concentram apenas em uma metade do sistema (trecho urbano), mesmo considerando o crescimento do Vetor Norte a longo prazo.

Por fim, cabe dar nota à participação da empreiteira CCR no Metrô de Salvador até o aeroporto e também no VLT do Rio, atendendo ao aeroporto Santos Dumont. Sendo esta empreiteira CCR a acionista privada majoritária na concessionária do aeroporto de Confins, por que é que ela então não se dispõe a por em prática este projeto de transporte sobre trilhos até o aeroporto internacional de BH, administrado por ela? Claro, é um projeto deficitário.

Estudo do VLT do Governo de Minas na íntegra

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