ILS e Aeroporto da Pampulha: sim, é possível

Críticos ao aeroporto da Pampulha têm fixação neste assunto, ainda que o ILS não seja determinante para operações em condições meteorológicas normais.

Antes de qualquer coisa é importante ressaltar que, uma vez certificado pela ANAC, o aeroporto da Pampulha hoje encontra-se tecnicamente apto a receber voos regulares em jatos comerciais de até 180 passageiros, aproximadamente, abrangendo os aviões mais usados pelas companhias brasileiras.

Note-se que a certificação não isentou Pampulha do comprimento de requisitos do Regulamento (RBAC nº 154) sobre o  processo de certificação de aeródromos.

Mas, ainda assim, são muito recorrentes nos canais do Pampulha JÁ questões relativas à instalação do Sistema de pouso por instrumentos (ILS - Instrument Landing System). O que torna oportuno esclarecer. 
Antenas do Localizador (LLZ) de ILS
do aeroporto da Pampulha.

Fato é que, apesar de Pampulha possuir outros instrumentos de auxílio ao pouso, o aeroporto não possui hoje o ILS completo, mas apenas o Localizador de ILS. Este possibilita o alinhamento horizontal do avião com o eixo da pista, mesmo em condições de baixa visibilidade.

Um outro componente do ILS é o glide path ou glide slope (GP ou GS), definido como 'superfície eletrônica de planeio', nos manuais brasileiros. Durante o pouso, o glide permite o alinhamento vertical do avião no ângulo apropriado para descida até a pista. 

A GP não está instalado na Pampulha no momento, ainda que o aeroporto conte com outro instrumento que tem a mesma função na aproximação visual: o PAPI (sigla em inglês para Indicador de Percurso de Aproximação de Precisão); O que também não quer dizer que o glide não possa vir a ser instalado no aeroporto.

Porém, como o ângulo para descida dos aviões no aeroporto da Pampulha é de 3,5 graus, enquanto o padrão para os pousos de precisão seria de 3 graus, há quem diga que Pampulha nunca poderá ter um ILS completo. Dizem ainda que obstáculos, como a própria barragem da lagoa, são empecilhos para instalação do glide. Mas será mesmo? A seguir iremos mostrar que não é bem assim.

O que diz o DECEA

O Manual Brasileiro de Inspeção em Voo do DECEA diz que:
Normalmente a superfície eletrônica de planeio está a um ângulo de 3 graus, porém ângulos acima de 3 graus poderão ser utilizados para atender a requisitos de 'clearance' de obstáculos. — MANINV-BRASIL/2017 pág. 236/237.

A fim de confirmar o entendimento da admissibilidade de ângulos de descida superiores a 3 graus, o Movimento Pampulha JÁ questionou o  Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA):

Pergunta: 
(...) Considerando as Cartas de Aproximação por Instrumentos 'LOC RWY13' e 'RNAV (GNSS) A RWY31' de SBBH, cujas rampas de planeio estão definidas em 3.5 e 3.1 graus, respectivamente; e Considerando uma hipótese em que houvesse interesse público e recursos disponíveis para investimento em qualquer tipo de adequação necessária; É tecnicamente possível a instalação do equipamento de Superfície Eletrônica de Planeio (GP), isto é, o Sistema de Pouso por Instrumentos (ILS) completo em SBBH? — Pampulha JÁ

Resposta:
Tecnicamente é possível ajustar o glide slope para operação em ângulo superior a três graus. Outrossim, cabe ressaltar que a instalação de um ILS completo em um aeroporto requer que, além da compra e a instalação dos equipamentos que compõem o sistema, a infraestrutura aeroportuária seja preparada para a homologação do aeroporto junto à ANAC para a operação IFR de precisão. (...) — DECEA
Mais que isso, não é possível atestar oficialmente a instalação e operação do glide, senão por decorrência de um processo de homologação, que considere, por exemplo, aspectos de relevo na área crítica ou as dimensões do aeroporto.

Além disso, não cogita-se a instalação do equipamento na Pampulha também muito em função da atual inoperância do aeroporto.

Isto é, tem que haver movimentação e utilidade que justifique um investimento milionário em uma tecnologia como o ILS. O qual também não é obrigatório e inexiste na maioria dos aeroportos, como no Santos Dumont, no Rio de Janeiro, por exemplo.

Requisitos para instalação do glide

Representação da área crítica do glide
A Instrução do Comando da Aeronáutica (ICA 100-16) estabelece como ‘área crítica do glide’ um espaço retangular, lateralmente à borda da pista, com com 135 metros depois da antena do GS por 900 metros na direção da cabeceira, conforme ilustrado em apresentação da ANAC, ao lado.

Quanto à distância entre a antena do glide e a pista, não há especificação expressa nos regulamentos brasileiros. Mas segundo a Aeronautical Information Publication (AIP), da Federal Aviation Administration dos Estados Unidos (FAA), a antena do glide deve ficar entre 250 e 600 pés (76,2 a 182,9 metros) do eixo central da pista.

Com base no disposto nos manuais, fizemos um esboço do espaço requerido para uma possível hipótese de instalação do glide no aeroporto da Pampulha, considerando alguns ajustes no sistema de pista e taxiway:



Note que a chamada ‘área crítica’ do glide (ICA 100-16) caberia inteiramente dentro do sítio aeroportuário da Pampulha, sem adentrar sobre propriedades particulares e sem qualquer contato ou interferência com a barragem, onde alguns acham que seria um impeditivo.

Esse esboço é apenas um exemplo das diversas possibilidades de adequação que poderiam ser feitas para instalação do equipamento. Neste exemplo, foi considerado um deslocamento da área de toque (TDZ) e da cabeceira 13 em cerca de 630 metros, reduzindo a extensão da ‘distância disponível para pouso’ (LDA) para cerca de 1.730 metros.

Se reduzido o tamanho da LDA de Pampulha, conforme o exemplo, ela ainda seria equivalente à de Congonhas, em São Paulo, e também maior que a de Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Além disso, a redução da LDA não significaria necessariamente diminuição no tamanho da pista, cujo comprimento ‘disponível para corrida de decolagem’ (TORA) poderia permanecer com os atuais 2.364 metros.

Outra adequação mais sutil seria a ampliação da distância da posição de espera dos aviões nas taxiways (RTHP) de 75 para 90 metros, como pede a  ICA 100-16. Esse recuo de apenas 15 metros na posição de espera dos aviões nas taxiways seria pouco impactante, em se comparado às dimensões quilométricas de um aeroporto.

Evidentemente, outras alternativas seriam estudadas para um processo de homologação do instrumento, inclusive opções sem necessariamente alterar o dimensionamento do uso da pista para pousos.

Dimensões do sistema aeroportuário da Pampulha. Saiba mais aqui.

Regulação sobre glide nos EUA

Nos Estados Unidos, a Federal Aviation Administration (FAA), estabelece no manual Order 8260.3D que:

GPAs maiores que 3,00 graus mas não mais do que o máximo (consulte a tabela 2-6-1) são autorizados sem aprovação, quando necessário para possibilitar a eliminação de obstáculos ou para atender aos padrões de aterrissagens paralelas simultâneas. — Order 8260.3D
Limites de glide path angle (GPA) nos Estados Unidos

O regulamento americano é mais específico quanto aos limites de ângulos na superfície eletrônica de planeio (GPA), conforme o porte do avião. De acordo com a classificação da FAA, o limite para aviões da categoria "C", onde se incluem as famílias Boeing 737, Airbus A320 e Embraer E-jets, é de 3,77 graus no ângulo de descida para pouso com ILS/GP. Quer dizer, Pampulha, com ângulo de 3,5 graus,  estaria perfeitamente dentro da margem para operação na superfície eletrônica de planeio.

Merece destaque o fato de ângulos maiores que 3 graus serem aceitos no referido manual americano não apenas por questões de obstáculos, mas também pela conveniência de possibilitar que dois aviões estejam em procedimento de pouso paralelamente, em aeroportos com mais de uma pista.

Utilidade de glides maiores na Inglaterra

Na Inglaterra, chamam a atenção os casos de dois aeroportos da cidade de Londres: O Aeroporto de Heathrow e o Aeroporto London City.

O primeiro, trata-se do aeroporto mais movimentado de toda a Europa. Em teste, o Aeroporto de Heathrow recentemente implementou operações de pouso com ângulos de 3,2 graus como meio de reduzir os níveis de ruído das aeronaves durante as aterrissagens.

O relatório final desse teste mostrou que os níveis de ruído tiveram redução de 0,5dB(A). Ainda que essa redução pareça pequena, o relatório final concluiu que:


as aproximações de 3,2° progrediram ativamente para uma redução na medida de ruído de Heathrow e poderiam ser vistas como um passo incremental necessário para aproximações ainda mais íngremes no futuro. — TRAX: 3.2° Slightly Steeper Approach Trial Report


Jato Embraer pousando no
aeroporto London City.
O segundo caso refere-se ao quadro extremo de ângulo da superfície eletrônica de planeio no aeroporto London City, que é cercado pelos arranha-céus do centro financeiro de Londres. Nesse aeroporto Inglês, o glide é de nada menos que 5,5 graus para que os aviões consigam contornar a altura de prédios como do HSBC e Citibank, ambos com 200 metros de altura.

Note-se que no aeroporto London City operam aeronaves da categoria "C", como Embraer E-190, Airbus A318 e A220, os quais nos limites americanos, mostrados anteriormente, não seriam admitidos.

Outros casos pelo mundo

Aeroportos com ILS configurados em ângulos superiores a 3 graus no glide são bastante comuns em aeroportos regionais pelo interior dos Estados Unidos e nos interiores de países europeus, principalmente na Região Escandinava.

Mas esses ângulos mais íngremes no ILS não se restringem aos aeroportos menores. Importantes aeroportos da América do Norte, da Europa, do Oriente Médio e do Sudeste Asiático, com movimento de milhões de passageiros por ano, operam a superfície eletrônica de planeio com inclinações muito superiores a de Pampulha.

A lista abaixo reúne os principais desses aeroportos com ângulos maiores que 3 graus no ILS:

AEROPORTO PAÍS PISTA ILS GPA
Londres - City Reino Unido 10 5.50°
Londres - City Reino Unido 28 5.50°
Toronto - City Canadá 26 4.80°
Tromso Noruega 01 4.00°
Tromso Noruega 19 4.00°
Marselha França 31R 4.00°
Bodrum Turquia 28R 3.90°
Roma - Fiumicino Itália 34L 3.50°
Nápolis Itália 06 3.50°
Toronto - City Canadá 08 3.50°
Estocolmo - Bromma  Suécia 30 3.50°
Estocolmo - Bromma  Suécia 12 3.50°
Cabul Afeganistão 29 3.50°
Cam Ranh Vietnã 02 3.50°
Las Vegas - Mc Carran EUA 01L 3.40°
Nápolis Itália 24 3.33°
Zurich Suíça 28 3.30°
Zurich Suíça 34 3.30°
Bodrum Turquia 10L 3.30°
Frankfurt Alemanha 07L 3.20°
Frankfurt Alemanha 25R 3.20°
Sarajevo  Bósnia-Herz. 12 3.20°
Krabi Tailandia 32 3.20°
San Diego EUA 09 3.10°
Newark EUA 04L 3.10°
Newark EUA 22R 3.10°

Referências:

  • ANAC: Regulamento Brasileiro de Aviação Civil - RBAC 91: Das Regras Gerais de Operação para Aeronaves Civis
  • ANAC: Regulamento Brasileiro da Aviação Civil - RBAC 154, EMD 05: Projeto de Aeródromos
  • DECEA: Instrução do Comando da Aeronáutica - ICA 100-16: Sistema de Pouso por Instrumentos
  • DECEA: Manual Brasileiro de Inspeção em Voo - MANINV-BRASIL: dispõe sobre os procedimentos operacionais de inspeção em voo
  • FAA: Order 8260.3D: United States Standard for Terminal Instrument Procedures (TERPS) / 2-6-2. Glidepath Angle (GPA) and Vertical Descent Angle (VDA)
  • FAA: Aeronautical Information Publication - AIP - PART 2 − ENR. 4. Navigation Aids – En Route: 6.4.2 Glide Slope/Glide Path
  • TRAX: London Heathrow Airport Limited - 3.2° Slightly Steeper Approach Trial Report
  • HEATHROW: Heathrow Airport Slightly Steeper Approach Trial – Phase 2
  • JEPPESEN: General Aviation IFR Charts
  • BRAJETS: ILS Cat III no Brasil: Custo-befefício de Instalação no Brasil - Lucas Cunha Braga, Tammyse Araújo da Silva
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