O fracasso da aviação regional na Pampulha e a predação desse mercado por Confins

Isolados da rede de voos nacionais, os voos regionais não se sustentam. Sem conexões básicas com outros grandes centros na Pampulha, a aviação regional não se viabiliza e amarga a concorrência predatória exercida por Confins.

Aviões da falida Flyways deteriorados na Pampulha. A regional operou no aeroporto em 2015 e 2016. (Alexandre Marques em Aerotv.com.br)

1993 - Fokker 50 da TAM na Pampulha.
Desde a transferência dos voos para o aeroporto de Confins em 2005, o argumento de ‘vocação regional’ para o Aeroporto da Pampulha passou a ser recorrentemente usado como forma de garantir a exclusividade do Aeroporto de Confins nas rotas nacionais, bem como dar uma desculpa de alguma utilidade para o aeroporto central de Belo Horizonte.

1993 - Fokker 100 da TAM na Pampulha.
Esse argumento de ‘vocação regional’ para Pampulha não se baseia em nenhum estudo isento conhecido,[i] mas apenas numa vontade política aquém do interesse da sociedade local.

Acima de tudo, a realidade da instabilidade dos voos regionais no Aeroporto da Pampulha é atestada no histórico destas operações ao longo de todos esses anos de restrições de cunho político. 

1994 - Fokker 100 da TABA na Pampulha.
Detalhe importante é que os voos regionais não foram criados na Pampulha com a transferência dos voos nacionais para Confins, mas eles já existiam antes, em operações de companhias originalmente regionais como a TAM[1], assim como a Nordeste e Riosul (subsidiárias da Varig), além das exclusivamente regionais como a Total, que, por exemplo, desde 2001 operava voos regionais na Pampulha.

1998 - Fokker 50 da NORDESTE na Pampulha.
Mas o que se quer mostrar é que, a partir de 2005, quando da retirada dos voos nacionais, passaram pela Pampulha pelo menos seis companhias de voos regionais: Passaredo (1999 até 2018), Total (2001 até 2007), Air Minas (2006 - 2010), Trip (2007 até 2013), Flyways (2015 - 2016) e Azul (2013 - 2016).

1999 - ATR-42 da PASSAREDO na Pampulha.
A história elas é bastante parecida: Num primeiro momento são apresentadas grandiosas divulgações de "novos" voos para diversas cidades do interior; em seguida as empresas, de alguma forma, veem-se obrigadas a reduzir sua oferta de rotas regionais ou senão mudar sua a estratégia de atuação; por fim, as companhias ou mudam seu negócio para voos nacionais em jatos ou transporte aéreo de cargas, como Trip e Total respectivamente, ou não se mantém no mercado, como a Air Minas e Flyways, que foram à falência.

2003 - Embraer ERJ-145 da RIOSUL na Pampulha.
A verdade é que a proibição de voos diretos de Pampulha para outras capitais faz com que essas operações regionais dependam exclusivamente da demanda com origem ou destino em Belo Horizonte.

Assim, não sendo possível haver conexões com outros grandes centros na Pampulha, essas linhas regionais ficam fragilizadas, resultando na curta permanência dessas rotas regionais em operação.

2003 - ATR-42 da TOTAL na Pampulha.
Desde 2005, esse fracasso se repetiu entre uma empresa e outra, inaugurando e depois cancelando frequências regionais sucessivamente na Pampulha.

Antes disso, ao longo dos anos 90, a aviação regional só foi bem-sucedida na Pampulha quando as regionais TAM, Riosul e Nordeste, por exemplo, operavam pequenos aviões para o interior, mas tinham também o direito de operar com jatos nas chamadas ‘linhas especiais’.

2007 - ATR-42 da TRIP na Pampulha.
Essas linhas especiais que eram rotas diretas entre os aeroportos centrais das capitais, no contexto do serviço alternativo denominado "voos direto ao centro - VDC" instituído pelo DAC em 1986. (GUARACY, 2003. p. 233)

Com as restrições a voos nacionaais na Pampulha a partir de 2005, Trip e Azul tentaram contornar essa impossibilidade de conexões na Pampulha disponibilizando ônibus do aeroporto central para o Aeroporto de Confins, para que o passageiro do interior pudesse ter acesso a conexões para outras capitais através do aeroporto internacional.

2008 - Embraer EMB-120 da AIRMINAS na Pampulha.
Porém, apesar dos esforços, esse transbordo de 32 km entre os dois aeroportos tornava a viagem morosa para o passageiro, além de ser operacionalmente dispendiosa para as companhias aéreas.

Então, em 2016, a Azul acabou por transferir esses voos regionais, remanescentes da recém-incorporada Trip, todos para Confins, encerrando definitivamente suas operações na Pampulha.

2008 - Fokker 50 da OCEANAIR na Pampulha.
Enfim, o Aeroporto de Confins acabou por predar todos os voos regionais então destinados ao aeroporto da Pampulha, fechando o cerco às companhias que só teriam condições de oferecer conexões para outras capitais lá no distante aeroporto internacional.

Mais tarde, com permissão de voos em jatos na Pampulha pela Portaria nº 911/2017 do antigo Ministério dos Transportes Portos e Aviação Civil, os slots de Pampulha chegaram a ser distribuídos à todas as companhias aéreas operantes de voos nacionais e regionais.

2013 - ATR-72 da AZUL na Pampulha.
A companhia Gol foi a primeira a se organizar para operar a rota entre Pampulha (MG) e Congonhas (SP). No entanto, forças políticas impediram que essa ligação se desse diretamente, fazendo com que a Gol fosse obrigada a reinaugurar suas operações no Aeroporto da Pampulha com uma escala Juiz de Fora, para só depois seguir para Congonhas, e vice-versa, dando o caráter regional à rota.

2015 - ATR-72 da FLYWAYS na Pampulha.
Essa operação regional da Gol durou pouco, começando em 22 de janeiro de 2018 e já sendo suspensos pela companhia em 4 de agosto, do mesmo ano.

Esses voos da Gol não se mantiveram pelo fato de a escala regional tornar a operação inviável, já que havia pouca procura no trecho intermediário. A parada em Juiz de Fora, além de afastar os passageiros, também trazia mais custos à companhia, principalmente devido ao aumento de ciclos de manutenção da aeronave.

Cabe ainda dar nota ao programa denominado “Voe Minas Gerais”, criado e financiado pelo governo de Minas, através da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge).

2014 - Cessna Grand Caravan no PROGRAMA VOE MINAS
Esse programa oferecia voos entre o Aeroporto da Pampulha e cidades do interior do estado, objetivando “fomentar os negócios regionais.”[2] Esses voos eram oferecidos em pequenos aviões monomotores, com capacidade para até nove passageiros.

O projeto era deficitário e só vigorou entre agosto de 2016 e julho de 2019, sendo descontinuado pelo escasso número de passageiros e prejuízos de quase R$ 30 milhões de reais à Codemge, considerando subsídios e pagamentos à empresa operadora dos voos.[3]


Por fim, desde a transferência dos voos nacionais para Confins, a aviação regional teve então já quase 20 anos de exclusividade para se desenvolver no Aeroporto da Pampulha.

No entanto, mesmo com incentivos pelo governo do estado, os voos regionais se mostraram extremamente tênues e marcados pela instabilidade e rotatividade das companhias regionais no terminal.

Isso comprova que a aviação regional não se sustenta em si própria, sendo necessária sua integração à rede de voos nacionais como suporte. Portanto, essa estória de que aviação regional seria a ‘vocação’ do Aeroporto da Pampulha provou-se falaciosa. 



[1] A TAM originalmente foi uma companhia regional, assim como a Riosul também a era. Porém, ao longo da década de 1990, ambas tinham o direito exclusivo de operar com jatos nas chamadas ‘linhas especiais’, que eram rotas diretas entre os aeroportos centrais das capitais. (GUARACY, 2003. p. 233)

[2] Codemge <http://www.codemge.com.br/atuacao/voeminasgerais/>

[3] Portal R7: "Programa aéreo do Governo de MG dá prejuízo de mais de 27 milhões" em 13/03/20109. <https://noticias.r7.com/minas-gerais/programa-aereo-do-governo-de-mg-da-prejuizo-de-mais-de-27-milhoes-13032019>



[i] É verdade que em 2013, antes da concessão de Confins, o governo estadual chegou a encomendar um estudo do Grupo KED com objetivo de definir esse fim regional para Pampulha. Mas, conforme o próprio estudo descreve, foi o próprio governo Antônio Anastasia, à época, através da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, que definiu as diretrizes sobre o uso do aeroporto no futuro, e não uma conclusão de tal estudo. Além do mais, a metodologia do Grupo KED foi parcial e tendenciosa, se baseando simplesmente em ‘feedback’ do governo Anastasia e de companhias da aviação executiva para apontar qual seria “melhor” alternativa para o Aeroporto da Pampulha, ignorando por completo qualquer análise quanto a demanda por voos comerciais regulares para outras capitais, por exemplo.

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